17.6.12

Rumo ao Mundial

Decidi fazer uma homenagem a um momento delicado da vida de toda UDU: as compras de supermercado. Numa época em que mal temos tempo para respirar e ver um DVD e longe dos tempos em que morávamos com uma família e havia pelo menos seis braços para agilizar o ritual das compras, é preciso encarar essa tarefa doméstica ao menos uma vez ao mês.
Mas se você é (pão-)duro ou não tem outro supermercado por perto, tudo pode ser ainda pior quando você precisa ir ao...



Se você mora no estado do Rio provavelmente já recebeu essa piadinha por e-mail: assim que seu time é descartado do Brasileirão ou, pior, da Libertadores da América, chega um e-mail com o título "Flamengo (ou Fluminense, no caso acima) vai ao Mundial!!". Você abre e precisa dar um sorriso amarelo com essa montagem que nunca vai perder a graça com os outros, mas curiosamente fica completamente idiota quando se refere ao seu time. Quem não mora no Rio, provavelmente já viu isso em Facebooks alheios.

Se você não conhece o Mundial, o supermercado, eu também já fui assim um dia, que saudade. Então permita-me apresentá-lo. Ao contrário de todos os outros, o Mundial é um supermercado com um slogan honesto. Sim, isso existe! Porque "o menor preço total" realmente está lá. É impressionante a diferença no resultado total das compras em comparação a outras redes, como Extra, Carrefour, SuperMarket e, obviamente, Pão de Açúcar e Zona Sul, os mais abusivos do Rio. Reza a lenda que um pão de forma no Zona Sul chega a custar mais de R$ 8. Outro dia uma amiga revoltada postou isso no Facebook. Sorri aliviada por pagar meus R$ 2,60 em um bom pão, graças ao Mundial.

Para começo de conversa, a logomarca do estabelecimento ganha fácil como mais tosca de empresas que já teriam dinheiro para bancar algo melhor:


Mas se o custo em dinheiro é baixo, o custo moral-emocional-físico é alto. Isso porque as instalações do supermercado nascido em 1943 na Av. Presidente Vargas são a pior estrutura já elaborada pela humanidade para um espaço de compras.
Basta dizer que nos corredores passa um carrinho por vez. Como sempre há muito mais de um carrinho em cada corredor, é preciso muita paciência e habilidade na direção para manobras arriscadas como ultrapassagem de velhinhas a 2km por hora. Fora as famílias inteiras que resolvem parar, conversar e engarrafar tudo. Se os carrinhos do Mundial tivessem buzinas teríamos uma Avenida Brasil encaixotada. No início do mês, quando sai o salário da pobraiada (e aí me incluo), o caos é elevado à milésima potência. Só melhora lá pro dia 15. E isso porque a minha filial, do Largo da Segunda-Feira, nem é a pior. Dizem que a da Saens Peña é a sucursal do inferno.

Não satisfeito em ter a pior logo e o pior espaço físico do mundo, o Mundial oferece o pior atendimento da face da Terra. Assim, já aconteceram coisas inexplicáveis como meu carrinho, cheio de ecobags minhas (ou seja, claramente com dono), sumir e, depois de muito rodar, eu encontrá-lo amarrado com dois sacos plásticos (com tanta força que eu poderia jurar que o Hulk tinha se mudado pra Tijuca) em uma estante de Havaianas "pra fazer o remanejamento de peças com avaria", segundo o gerente da seção. Isso quer dizer que tinha uma montanha de porcarias quebradas e estragadas sobre as minhas compras já escolhidas – e sobre as três ecobags. Tive que repassar tudo meu para outro carrinho.
Outra vez eram quase 22h, o supermercado já estava quase fechando, quando uma funcionária entrou na frente de mim e do casal a minha frente na fila. Entendemos que era uma prática da empresa: funcionários não precisavam pegar fila. Ok, faz até sentido. As moças passam o dia ralando, aturando gente mal educada e ganhando um salário de merda super baixo, podem entrar na nossa frente.
Até aí tudo bem, mas em seguida outras três funcionárias resolveram entrar de uma vez, aos risos, na nossa frente. A moça do casal protestou "poxa, uma ok, mas quatro?!" elas continuaram rindo e ignorando. Se dividir entre outros caixas, pra quê?

Mercadorias


Os produtos do Mundial são um caso à parte. Na primeira vez que fiz compras lá, desavisada, cheguei em casa, abri o Nescau e o lacre de metal já estava aberto e cheio de marcas de dedos babados. Respirei fundo, voltei e troquei, não sem antes ouvir umas grosserias da gerente.
Depois desse dia já vi muito saco de batata palha furado. Ai gente. Classe média baixa sofre mais.

Quanto aos frios, a melhor coisa que já ouvi sobre o Mundial foi da amiga Conceição: "o que é o presunto do Mundial? Aquilo não é uma fatia, é um bife!". É isso. Nem preciso me aprofundar no tema depois dessa definição perfeita.

Um estado de espírito


Tudo no Mundial é mais tosco. Então esqueça importados, por exemplo. Se tiver é muito pouco. De orgânicos, só vi ovo caipira até hoje. Quando converso sobre comidinhas com irmãs e amigas, nos últimos 11 meses a frase que mais repito é "No Mundial não tem". A cozinha do consumidor do Mundial é a cozinha de guerra, roots, sem esse papinho de arroz integral, shitake e tofu. E a gente fala assim, mermo, pra fingir que não é doido pra ter essas coisas do Zona Sul no Mundial.

Aliás, outro dia conversando com um amigo, percebemos que na vida existem as pessoas Zona Sul e as pessoas Mundial. Isso não quer dizer exatamente ricos X pobres. A pessoa Zona Sul tem horizontes amplos, gosta de conhecer outras culturas, tem bom gosto, é refinada. A pessoa Mundial não, mas em compensação é pé-no-chão, sem frescuras, sabe se virar. Decidi que sou uma pessoa com bolso de Mundial e alma de (supermercado) Zona Sul.

Mas o Mundial pode acabar conquistando seu coração. Com toda a tosqueira, na fila do pão, depois de um dia cansativo, você pode "pegar amizade" com a tia da frente falando sobre a novela. E ela te dá informações relevantes tipo "hoje tem jogo, começa e acaba mais cedo". Nem quero imaginar puxar papo na fila do Zona Sul com uma tia pseudocult. Talvez falar sobre o novo álbum do Chico Buarque dê certo. Nah.

Alma tijucana

Quando o viaduto que liga a Presidente Vargas à Praça da Bandeira foi construído, a primeira loja precisou ser demolida, e o Mundial se mudou para a Rua do Matoso, na Tijuca (bem perto da minha casa). Se soou familiar e você nem mora no Rio, é a rua do Tim Maia, do Roberto e do Erasmo Carlos.
Depois a rede abriu mais duas unidades no bairro, tendo como único concorrente em quantidade de filiais o gigante Jacarepaguá. Por essas e outras o supermercado tem alma tijucana e isso explica da simpatia à falta de noção no atendimento.

Eu costumo dizer que o Mundial é um circo onde o locutor fala "batata Prínglês" e vira e mexe tem um bêbado ou um maluco para alegrar seu fim de tarde. Como no dia em que a atendente do caixa estava demorando, a fila só crescia e uma coroa revoltada gritou "e a outra lá, batendo papo... tá se achando muito goshtosa, né? vai lá, gatona!!". Sabe esses filmes sobre os popularescos teatros ingleses do século XVII? É por aí, um público que interage com força.

Com todos os problemas, até hoje não vi nada grave como baratas (comuns no "mais barata, mais barata, Extra!") ou produtos estragados. Então enquanto o slogan for verdadeiro estarei lá fazendo economia pesquisas antropológicas.

Para encerrar, procurando fotos do supermercado na internet encontrei um post impagável de um blogueiro que conta a emoção de encontrar um Mundial em... Nova York. Aqui. Ainda achei curioso que ele compare a Tijuca a Volta Redonda :) Mas aí é outro papo.